sábado, 5 de setembro de 2009

Um Brasil operário se revela


O ano de 1917 foi tomado por grandes greves em todo o país. A elevação da carestia de vida, crise do trabalho, elevação dos preços, maior exploração do trabalho infantil e feminino são alguns dos fatores que contribuíam para o aumento da mobilização dos operários.

Pela primeira vez em sua história, o país enfrentou uma greve geral do operariado, em 1917, contra as condições de trabalho, a carestia e o desemprego. A primeira greve operária de que se tem notícia no Brasil foi realizada pelos gráficos dos três jornais do Rio, em 1858. Na época, trabalhava-se 15 horas nas oficinas desses periódicos. As cidades do período já possuíam bairros operários consolidados, formados ao redor das fábricas, que seguiam geralmente o traçado das ferrovias, como em São Paulo - na Lapa e Água Branca (zona oeste), no Bom Retiro, Bexiga e Barra Funda (centro), no Cambuci, Ipiranga e Vila Prudente (zona sudeste) e no Brás, Mooca, Belenzinho e Pari (zona leste)-, no Rio de Janeiro _certos subúrbios, como Bangu, além de Gamboa, São Cristovão, Gávea, Tijuca e Laranjeiras - e em Recife, em São José e Afogados. Uma grave crise econômica atingiu o Brasil em consequência da Primeira Guerra Mundial, entre 1914 a 1917. Os salários dos trabalhadores não acompanhavam o aumento do custo de vida. Entre 1914 e 1923, o salário médio havia subido 71%. O custo de vida, considerando-se apenas itens básicos, havia aumentado 189%, o que significava uma queda de quase dois terços no valor real dos salários. O encarecimento dos produtos de primeira necessidade, em especial dos alimentos, era atribuído à ação dos açambarcadores, cujos agentes percorriam o interior do estado comprando toda a produção e armazenando-a para a exportação. Os gastos com a alimentação consumiam cerca de dois terços dos gastos domésticos. O salário médio de um operário em era em torno de 100 mil réis. O consumo básico de uma família (homem, mulher e dois filhos) chegava a 207 mil réis. O combate ao trabalho infantil foi eleito uma das principais bandeiras de luta do Centro Libertário de São Paulo, em março de 1917. Em março e abril se realizariam vários comícios do Comitê Popular de Agitação contra a Exploração de Menores nos bairros operários. A participação operária era expressiva nos comícios e no 1º de Maio. O passo seguinte era organizar ligas de resistência nos bairros onde residiam os trabalhadores. A primeira é criada em maio na Mooca. Iniciam movimentos por aumento salarial e melhorias nas condições de trabalho. Pelos meses de maio e junho várias fábricas de tecidos entram em greve. Os anarquistas deflagram um campanha com o lema ?Toda Em Julho, São Paulo parou. Sindicatos anarquistas lideraram uma paralisação contra os baixos salários e por melhores condições de trabalho. O governo deu ordem de abrir fogo em quem ficasse parado na rua. Operários e polícia entraram em conflitos violentos. Em 11 de julho, morreu o sapateiro Antônio Martinez. Os embates entre a polícia e os grevistas são freqüentes. Num destes conflitos, é assassinado o jovem sapateiro anarquista José Ineguez Martinez, em 9 de julho. O movimento grevista se radicalizou e atingiu toda a cidade. Bairros operários tornaram-se fortalezas de resistência, e barricadas se espalharam pelos bairros Lapa, Brás, Mooca, Barra Funda e outros. A partir daí a greve vai se alastrar rapidamente pela cidade, tomando o operariado de uma forte comoção e disposição para a luta. No mesmo dia da tragédia, à noite, o grupo de editores dos jornais anarquistas Guerra Sociale e A Plebe, os militantes do Centro Libertário de São Paulo, os socialistas do jornal Avanti e do Centro Socialista de São Paulo e os representantes das ligas operárias, das corporações em greve e de associações político-sociais se reúnem no Centro Libertário para discutir os rumos da greve. Então se decide constituir o Comitê de Defesa Proletária (CDP). Edgar Leuenroth assume o papel de secretário do CDP com o pseudônimo Frederico Brito. O CDP decide transformar o enterro numa grande manifestação popular. Este ocorre no dia 11 de julho, sob intenso frio e chuva. Na cerimônia fúnebre vários oradores falaram, protestando contra a violência policial, pedindo a soltura dos grevistas presos, clamando pela liberdade de organização e exigindo a reabertura de duas entidades de orientação anarquista fechadas pela polícia, a Liga Operária da Mooca e a Escola Nova. O CDP desde aí manteve-se permanentemente reunido de forma clandestina para evitar represálias da polícia, coordenando os rumos da greve e divulgando os acontecimentos ocorridos em São Paulo através de circulares enviadas ao interior do estado à COB. Solidariedade seria a sua palavra de ordem e a greve geral sua bandeira de luta. Diversas categorias responderam ao apelo da CDP e em 11 de julho o nº de grevistas chega a vinte mil. Neste dia se realiza um comício com cerca de 3 mil pessoas na Praça da Sé, pedindo o direito de associação e liberdade para os presos. À noite, em reunião clandestina do CDP com representantes de 36 associações operárias e de várias comissões de greve, se decide agrupar em um único memorial as reivindicações comuns a todas as categorias, como também da população em geral. Quando a pauta de reivindicações se tornou pública em 12 de julho, São Paulo parou. Por três dias as atividades industriais, comerciais, serviços e transporte ficaram paralisados. Cerca de 100 mil trabalhadores estavam em greve. A greve repercute no interior do estado e nas principais cidades brasileiras, de onde as agremiações brindam seu apoio moral e financeiro. Em Santos a UGT decreta greve geral em solidariedade à greve de São Paulo. O governo suspendeu a repressão, e iniciaram-se as negociações. No dia 15 os representantes do poder público e alguns industriais cedem às reivindicações. No dia 16 a CDP convoca 3 comícios em locais diferentes da cidade para deliberar sobre sua proposta de aceitar o acordo. Num deles compareceram mais de 10 mil pessoas. Nos três comícios os trabalhadores votaram e aprovaram a ?Ordem do Dia do CDP? de retomada ao trabalho nos estabelecimentos onde os patrões aceitaram as bases do acordo e a manutenção nos demais lugares. A greve foi suspensa após empresários aceitarem 20% de aumento salarial, a liberação de grevistas presos e a suspensão de demissões por solidariedade aos grevistas?. Comemorada as vitórias obtidas ao som da 'Internacional', a greve obteve antes de tudo a conquista da confiança dos operários em suas próprias forças. Logo as greves se estenderiam também pelo Rio de Janeiro, Curitiba e cidades do sul do Paraná, com ocorrência de violentos choques com a repressão. No Rio, desde o início do ano estavam sendo promovidas intensas campanhas contra a carestia de vida, impulsionados pela FORJ, criada em 1906 e pelo Centro Libertário. Em janeiro é criado o Comitê Central de Agitação e Propaganda contra a Carestia e o Aumento dos Impostos, que passa a coordenar as manifestações na cidade e nos subúrbios onde são instalados sub-comitês. Em fevereiro são realizados uma série de comícios, apesar da proibição policial. O período é de organização e reorganização sindical e entre março e junho várias categorias se organizam. Em maio se dá uma greve de uma Fábrica de Tecidos e ocorrem choques com a polícia. Mas é em 7 de julho, quando o trágico desabamento do NY Hotel causa a morte de dezenas de operários, era o que falava para acirrar o descontentamento dos operários. O sindicato da construção civil encabeça um movimento que faz do enterro das vítimas um ato de protesto. Embalados pelas notícias de São Paulo, a greve é decidida em 17 de julho, e logo se generaliza. A FORJ elabora um programa semelhante ao do CDP, mas incluindo ainda a fixação do salário mínimo e salário igual para homens e mulheres. Em agosto a polícia fecha a FORJ. Algumas categorias obtêm conquistas. O movimento operário carioca iria viver o seu grande momento no ano seguinte. A Guerra dos Braços Cruzados No Rio Grande do Sul os primeiros incidentes se dão quando em Santa Maria um grupo de ferroviários da Viação Férrea do RS se apossa de uma locomotiva e percorre a linha de Marcelino Ramos propagandeando a greve. No dia 29 de julho circularia amplamente um protesto que denunciava a exploração dos trabalhadores pela administração da ferrovia. Em Porto Alegre, a greve é deflagrada em 31 de julho e termina em 4 de agosto, posteriormente às greves nos outros estados. Sua principal motivação é a carestia, especialmente dos gêneros alimentícios. A atuação dos anarquistas na greve começa um mês antes pela busca de revigoração da União Operária Internacional, que consta que em algum momento entre 1915 e 17 havia deixado de existir. Em Porto Alegre os anarquistas não agiam conjuntamente com os sindicatos existentes, mas em seu interior. A UOI, reorganizada com elementos de todas as categorias começou a agir no interior de cada sindicato e da própria FORGS para convocar uma mobilização popular contra a carestia. No dia 29 de julho se convoca uma reunião da FORGS, com a presença de mais de 500 pessoas. A reunião não é aberta pelo então presidente da FORGS, o tipógrafo Ezequiel Oliveira, mas pelo delegado da UOI, o pedreiro Luiz Derivi, passando então a palavra a Cecílio Vilar. Ambos os discursos combatiam uma posição, provavelmente a que ocupava os cargos da administração de então da FORGS, contrária a greve. Nessa reunião é nomeada a Liga de Defesa Popular, que iria organizar toda a mobilização. São nomeados Cecílio Vilar, Luiz Derivi e Salvador Rios, que escolheriam dois membros de cada associação filiada para compor a Liga. A pauta de reivindicações inclui, de modo geral, medidas para diminuição dos preços dos alimentos e artigos de primeira necessidade, da água, aluguel e bondes; aumento dos salários, jornada de 8 horas de trabalho e de 6 horas para mulheres e crianças. No dia 30 boletins da FORGS e do Sindicato dos Pedreiros, Carpinteiros e Classes Anexas, distribuídos e afixados em postes no Campo do Bomfim, convocam os trabalhadores para uma concentração pública na Praça da Alfândega para o dia seguinte. A LDP havia preparado um comício para publicizar a greve no dia 31 de julho. Ao meio-dia os ferroviários do RS se declaram em greve, o que já condicionou a paralisação do alto comércio neste dia. Na tarde do dia 31 já estavam em greve as estações de PoA, Santa Maria, Rio Grande, Bagé, Gravataí, Passo Fundo, Couto, Cacequi e Rio Pardo. O inspetor da Viação Férrea promete despedir todos os grevistas, passa a admitir funcionários não especializados e solicita a imediata intervenção das tropas militares. Uma hora antes do comício já era intenso o movimento de populares na praça da Alfândega, em PoA. Meia hora depois chegava o policiamento, com mais de 120 homens da BM, Piquete da Chefatura de Polícia, Escolta Presidencial, Polícias Administrativa e Judiciária. O comício foi aberto por Luiz Derivi e contava com a participação de cerca de 4000 a 5000 pessoas e forte reforço policial. O orador mais saliente foi Cecílio Vilar, falando sobre os motivos da convocação do meeting e as causas da carestia: ?o momento não é para conciliações, e de luta. A luta mais justificável, a luta pela vida. Os operários devem se erguer como um só homem, para sair as ruas e conquistar o pão que nos está sendo roubado e a fim de protestar contra a exploração de que é vítima a classe trabalhadora?. Entre 31 e 4 de agosto a vida urbana em Porto Alegre foi completamente alterada. Participaram da greve pedreiros, padeiros, trapicheiros e estivadores, trabalhadores da Cia Força e Luz, operários têxteis, carroceiros, caixeiros, choferes, tipógrafos, entre outros. Estimativas apontam para cerca de 30.000 grevistas em PoA. No dia da deflagração da greve se reuniu a União dos Condutores de Veículos, decidindo a aderência da categoria. Estes trabalhadores passariam a controlar o tráfego na capital. No dia 1º de agosto o diretor da Santa Casa dirige-se à FORGS para solicitar providências no sentido de manter o fornecimento de gêneros à casa de saúde. Foram fornecidos ao diretor dois salvo-condutos, assim como ao Hospício São Pedro e Asilo da mendicidade, e estaria livre a venda de gêneros as residências onde houvesse doentes. No salvo-conduto, em cujo topo lia-se ?Justiça? em vermelho, constava também que ?O portador do presente tem plena autorização da Liga de Defesa Popular para conduzir carne verde e outros artigos destinados aos doentes da Santa Casa?. Sem o documento não havia circulação de carroças. No dia 2 de agosto se dá uma ocupação militar da estação de Santa Maria. Em represália, os grevistas arrancam trilhos, derrubam pontes e bloqueiam a via com dormentes e postes telegráficos em vários pontos do estado. Alguns trens passam a circular guarnecidos por tropas. Em Passo Fundo há violentos choques entre ferroviários e forças militares. Neste mesmo dia é convocada uma manifestação pública para pressionar o governo, cujos locais de concentração seriam a FORGS e a Praça dos Navegantes. A manifestação se dirigiu ao palácio do governo estadual, onde uma comissão da LDP, composta por Luiz Derivi, Cecílio Vilar e Zenon de Almeida é recebida pelas autoridades. Borges de Medeiros declara que decretaria medidas de controle da exportação e atenderia a questão de horas de trabalho e salários para os empregados do estado. A comissão saiu do palácio e comunicou aos já estimados 5000 manifestantes os intentos do governo estadual e municipal. Após as promessas de Borges a greve não declinou e tampouco tornou-se mais ?pacífica?. A partir daí aumenta a pressão pelo fim da greve tanto pela imprensa como pela polícia. No dia 3 o Chefe de Polícia ameaçou proibir os meetings e as reuniões em praças públicas, e a partir da tarde são proibidos os ?ajuntamentos?. A cidade se assemelhava à uma praça de guerra, em todos os recantos suspeitos haviam pelotões de infantaria e patrulhas de cavalaria cruzavam com freqüência. Nessas condições, sem possibilidade de manifestações, a greve se reduziria ao confronto patrão-empregado. Durante todo o dia 4 são feitas reuniões na sede da FORGS avaliando a situação, e às 23h a LDP publica um boletim anunciando o fim da greve e comprometendo-se a apoiar as categorias que ainda se mantivessem paralisadas. Se manterão ainda paralisados estivadores, padeiros, alfaiates, sapateiros, chapeleiros, pedreiros e carpinteiros, calceteiros e canteiros, operários de fábricas de móveis e operários de fábricas de meias. No dia 5 de agosto chega ao fim a greve dos ferroviários, diante da violenta intervenção das tropas federais, e sem nenhuma reivindicação conquistada devido a intransigência da direção da Viação Férrea, controlada na época por uma concessionária belga. Em relação a totalidade das reivindicações, pode-se dizer que houve vitória parcial dos trabalhadores. Muitos militantes anarquistas tiveram que sair de Porto Alegre devido às perseguições resultantes de sua atuação na greve. Isso, mais o fato de alguns terem encarado a atitude de Borges de Medeiros durante a greve como ?paternalista? fez com que ganhasse influência na FORGS um grupo pró-PRR, que ganha a direção da entidade em 1918. Nessa época Francisco Xavier da Costa já era conselheiro municipal pelo partido. Os sindicatos de influência libertária se afastam ou são afastados da FORGS e constituem a União Geral dos Trabalhadores. Mas essa direção se afastaria já em julho de 1918. Greves no interior do estado Em Pelotas a greve geral é deflagrada em 4 de agosto e não obtêm tantas conquistas. Entre as reivindicações estavam medidas contra a carestia, regulamentação da jornada de trabalho de 8 horas, 6 horas para mulheres e menores e proibição do trabalho de menores de 14 anos. Nos moldes da LDP, funda-se um Comitê de Defesa Popular. Uma passeata realizada no centro da cidade culmina com um comício na Praça 7 de julho. Durante o comício ocorre violenta intervenção policial, provocando tiroteios entre grevistas e polícia municipal A seguir, intervêm o Regimento de Cavalaria e o conflito vira uma verdadeira batalha campal, que terá como resultado vários feridos de ambas as partes. Em protesto, os operários se concentram, à noite, na Sede da Liga Operária. Novamente a polícia intervêm. Os operários resistem e o chefe de polícia tem seu cavalo abatido a tiros. Um funcionário da Intendência Municipal é mortalmente ferido. Após muita luta, os grevistas são desalojados do prédio da Liga Operária. A radicalização política das lideranças operárias era bem maior que a que ocorrera em PoA. Um dos boletins do Comitê chega a proclamar: ?Se tendes brio, sabeis repelir com asco aqueles que vos bajulam, quando de vós precisam e que vos maltratam quando servidos. Nada de voto; nada de urna!?. As forças da BM e o próprio Chefe de Polícia deslocam-se para a cidade para tentar mediar as negociações, não só entre patrões e empregados, mas principalmente entre o Comitê de Defesa Popular e a Intendência Municipal. A greve terminaria no dia 15 de agosto com a baixa dos preços de primeira necessidade. Também haveria greves importantes em Rio Grande, Passo Fundo, Santa Cruz, Montenegro, Bagé e outros centros. Devido ao não atendimento de suas reivindicações na greve anterior, em outubro de 1917 é deflagrada nova greve dos ferroviários, que utilizam-se de sabotagens e outras formas de ação direta. Em 20 de outubro soldados do Exército alvejam ferroviários em Santa Maria, provocando grandes protestos dos operários de Porto Alegre.

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